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Projeto Caatinga

Micorrizas em espécies florestais da Caatinga

Os microrganismos que compõem a biota do solo são variados em relação às espécies, funções, interações, habitat, fisiologia e nutrição, entre outros aspectos. A microbiota do solo encontra-se em contínua interação entre espécies, ocorrendo condições de sinergismo, antagonismo, mutualismo, na maioria das vezes com parasitismo e, outras vezes, com saprofitismo (STAMFORD et al., 2005). Um desses microrganismos que compõem essa biota do solo são os fungos. Segundo Tortora (2017) esses microrganismos são classificados como eucarióticos e multicelulares, com exceção das leveduras que se apresentam como unicelulares.

Os fungos são caracterizados por serem aclorofilados, quimiorganotróficos e aeróbicos, sendo por esta razão os organismos que ocorrem em maior quantidade nas camadas superficiais dos solos, em função do alto teor de matéria orgânica e maior aeração. Além da grande importância como responsáveis pela maior parte das doenças das plantas, realizam funções como: imobilização, adição de matéria orgânica, solubilização de nutrientes (micorrizas), agregação do solo (estrutura) e ação predatória, capturando parasitas, amebas e nematoides (CARDOSO; FREITAS, 1992).

O papel de microrganismos na recuperação de áreas degradadas é fundamental, sendo os fungos micorrízicos muito importantes por sua ação direta no aumento da disponibilidade de nutrientes essenciais e na resistência à seca e ao calor, bem como pela sua interação com outros processos como, a fixação biológica rizóbio-leguminosa (poaceaes) e de bactérias diazotróficas, e por interação com fitopatógenos, reduzindo a predisposição das plantas à ação dos patógenos. As leguminosas são altamente exigentes em fósforo, que necessitam para suprir a demanda de ATP envolvido no mecanismo da fixação do nitrogênio, sendo as micorrizas responsáveis pelo aumento da capacidade de absorção de fósforo, assim como de outros nutrientes essenciais, dentre os quais, cobre, ferro, zinco e molibdênio (SOUZA; SILVA, 1996).

Várias formas de simbiose são reconhecidas, incluindo a associação micorrízica arbuscular, ectomicorrizas, ericoide, arbutoide orquidoide (SMITH; READ, 2008). Os fungos micorrizicos, que se apresentam como um dos processos simbióticos de maior importância, são classificados como endomicorrizas e ectomicorrizas, de acordo com sua estrutura e morfologia. As ectomicorrizas tem penetração apenas intercelular formando um manto (rede de Hartig), enquanto que as endomicorrizas desenvolvem-se inter e intracelular, formando arbúsculos e vesículas (SOUZA, 2006).

Como os fungos micorrízicos arbusculares (FMA’s) dependem do hospedeiro para a sua própria existência, não há dúvida da importância central da simbiose para os fungos micorrízicos. A condição de simbionte obrigatório advém do fato de que, ao longo da sua evolução, esses organismos perderam a sua capacidade de fixar carbono (C), passando a depender, exclusivamente, do hospedeiro autotrófico como fonte de compostos orgânicos (GADKAR et al., 2001).

A simbiose é possível graças ao fato do fungo produzir hifas intra e extra-radiculares, capazes de absorver elementos minerais do solo e transferi-los ao ambiente radicular, onde são absorvidos. No espaço intra-radicular, a troca bidirecional ocorre principalmente em uma estrutura presente no córtex radicular, similar a um haustório, excessivamente ramificado, os arbúsculos. Estes são estruturas formadas pela interação de hifas de FMA e o plasmalema de algumas células do córtex. Estas estruturas são consideradas “chave” para o desenvolvimento da simbiose micorrízica e sua formação depende da completa interação genética e funcional entre combinações fungo-planta (HARRISON, 1999).

Os FMAs são fungos de solo, biotróficos obrigatórios e formadores da simbiose mutualista mais comum na natureza: a micorriza arbuscular (MA). Esta associação ocorre nas raízes da maioria das plantas terrestres, promovendo melhorias no crescimento, desenvolvimento e aumento na tolerância e, ou, resistência das plantas a vários agentes ambientais adversos (FOLLI-PEREIRA et al. 2012). A capacidade de formar MA é restrita a fungos pertencentes a cinco famílias (Gigasporaceae, Glomeraceae, Acaulosporaceae, Paraglomaceae e Archaeosporaceae) da ordem Glomerales do filo Glomeromycota (STÜRMER; SIQUEIRA, 2006). O estabelecimento de associações micorrízicas resulta em aumento da tolerância das plantas a estresses ambientais (TANG et al., 2009). No entanto, pouco se sabe acerca dos mecanismos fisiológicos e moleculares responsáveis por essa maior tolerância.

O micélio de fungos MA frequentemente interconecta o sistema radicular de plantas vizinhas da mesma espécie ou de espécies distintas. Neste sentido, a maioria das plantas está interligada por uma rede de hifas micorrízicas comuns, durante alguma fase do seu ciclo de vida (NEWMAN, 1988). Como decorrência dessa imensa quantidade de hifas produzidas por FMA, existe significante impacto sobre a estruturação e estabilidade de agregados em solos (JASTROW; MILLER; LUSSENHOP, 1998). Essa função é importante, porque a estruturação do solo modifica a capacidade de mobilização de nutrientes, o conteúdo de água, a penetração de raízes e o potencial erosivo dos solos. Fungos MA conferem também incrementos à resistência de plantas diante do ataque patogênico (HWANG et al., 1992). A relação micorrízica é a expressão de um evento mutuamente benéfico: plantas suprem o fungo com compostos com carbono (fixado via processos fotossintéticos pelo simbionte autotrófico), enquanto fungos provêm às plantas de nutrientes (MOREIRA; SIQUEIRA, 2006).

As florestas tropicais secas no Brasil são representadas pela caatinga, vegetação presente em grande parte da região Nordeste, que possui clima semiárido. Neste cenário, naturalmente adverso, as plantas desenvolvem adaptações específicas para sobreviver e, os FMA podem ter papel fundamental no estabelecimento e crescimento vegetal, pois auxiliam na absorção de água e nutrientes (TEIXEIRA, 2012). Também quando na presença de rizóbios, o efeito nas plantas da Caatinga, podem ser melhor pronunciados.

Burity et al. (2000) quando trabalharam com mudas de Sabiá (Mimosa caesalpiniifolia Benth.), testando a inoculação de rizóbio e fungos micorrízicos arbusculares, submetidas a diferentes aplicações de fósforo observaram que as mudas infestadas com fungos micorrízicos não apresentaram alteração no seu desenvolvimento comparada a mudas não infestadas. Mas, quando as mudas foram submetidas a dupla inoculação (com micorrizas e rizóbios), apresentaram alteracões positivas em seu crescimento, área foliar, altura das plantas e outros parâmetros analisados.

Em estudos com as espécies vegetais Caesalpinia ferrea Mart. ex. Tul var. ferrea (Pau-ferro) e Piptadenia stipulacea (Benth.) Ducke (Jurema-branca), Feitosa e Santos (2017) avaliaram o efeito de doses de fósforo e fungos micorrizicos na produção de matéria seca da parte aérea e raiz e percentagem de colonização micorrízica. Estes pesquisadores observaram que a produção de matéria seca da parte aérea, das duas espécies, quando inoculadas com FMA e as dose de P, apresentou aumento significativo na produção de matéria seca da parte aérea, não influenciando a matéria seca da raiz, enquanto que a colonização radicular mostrou-se sensível a presença de maiores doses de P (60, 120 e 180 mg dm-3) de P. A inoculação de FMA sobre doses de P influenciou positivamente o crescimento de Pau-ferro e de Jurema branca (FEITOSA; SANTOS, 2017).

Oliveira et al. (2009) quando realizaram trabalho de caracterização da comunidade de FMA e sua influência no desenvolvimento de espécies nativas Tabebuia roseoalba (Ridl.) Sandw. (peroba) e Tocoyena selloana Schum. (jenipapo-bravo) observaram que o solo da área de duna revegetada apresentou seis espécies de FMA (Acaulospora longula; Acaulospora scrobiculata; Acaulospora foveata; Glomus aggregatum; Glomus glomerulatum e Glomus taiwanensis) e o maior desenvolvimento vegetal e fúngico ocorreram em solo nativo.

Em estudo conduzido em casa de vegetação, para avaliar o desempenho da inoculação com rizóbio nativo e/ou FMA sobre o crescimento inicial e nutrição com nitrogênio e fósforo em mudas de Angico vermelho (Anadenanthera macrocarpa (Benth.) Brenan.), por 120 dias, os pesquisadores verificaram efeitos mais expressivos quando inocularam FMA, em comparação ao controle. As mudas tratadas com o inoculo de FMA (Glomus etunicatum) apresentaram níveis suficientes de nitrogênio e fósforo para atender suas necessidades (SANTOS et al., 2008).

O crescimento de mudas de Leucaena leucocephala (leucena), em condições de diferentes substratos, áreas de empréstimo (local em que a camada superficial do solo foi removida) e de rejeito de cobre, ao solo de caatinga preservada, os FMA nativos, Acaulospora longula e a mistura dos fungos (Glomus etunicatum x A. longula) contribuíram para o desenvolvimento das mudas em substratos de áreas de empréstimo, que se mostrou mais indicado para a produção dessas mudas (LINS et al., 2007).

Em trabalho realizado por Teixeira (2012), onde se avaliou a dinâmica de FMA em rizosfera de plantas nativas da Caatinga Mimosa tenuiflora [Willd.] Poir. (Jurema-preta) e Commiphora leptopholeos (Mart.) J. B. Gillett (Imburana), sob a influência de fatores climáticos e da fertilidade do solo, em campo e em casa de vegetação, observaram no estudo em campo, que os fatores climáticos e a fertilidade do solo influenciaram na dinâmica de formação de propágulos de FMA na rizosfera de M. tenuiflora e C. leptopholeos. Em casa de vegetação, constatou-se que M. tenuiflora é responsiva à adubação fosfatada, nas doses 22, 66 e 165 mg.L-1, e à inoculação com Glomus etunicatum e Scutellospora heterogama, porém doses mais altas de superfosfato simples reduzem a colonização radicular. A micorrização promoveu aumento positivo no crescimento e no teor de alguns nutrientes nas plantas de M. tenuiflora, em especial P, K, Ca, Cu e Zn, porém, os benefícios da inoculação são reduzidos com a adição de fósforo ao solo. Em virtude disso, recomenda-se a utilização destes isolados em solos com baixo teor de P para produção de mudas de M. tenuiflora, visto que, esta prática reduz o custo com insumos e beneficia o desenvolvimento vegetal.

Em trabalho realizado por Leite et al. (2014), onde avaliaram o crescimento inicial e partição da biomassa de mudas de mulungú (Erythrina velutina Willd.), sob diferentes doses de adubação fosfatada na ausência ou presença de FMA, com avaliação aos 98 dias após a semeadura, constatou-se que a maior dose de fósforo (200 mg.kg-1) mostrou-se a mais eficiente para produção de mudas de mulungú, mas com redução significativa na associação biológica dessa espécie com fungos micorrízicos.

Carneiro et al. (2012), quando avaliaram atributos dos FMA na região sob desertificação na cidade de Gilbués-PI, onde monitoraram áreas sob diferentes níveis de degradação e recuperação do solo, durante o período seco, verificaram que as maiores taxas de colonização de FMA foram encontradas nas raízes extraídas das áreas em recuperação e em processo inicial de degradação.

Estudando a eficiência da inoculação de fungos micorrízicos arbusculares no desenvolvimento de dez espécies arbóreas do semi-árido, Moreira et al. (2009) observaram que o Enterolobium cortitisiliquum Morgmg. apresentou-se muito eficiente quanto ao crescimento sob a inoculação de Glomus etunicatum e Gigaspora margarita.

Quando estudaram a relação entre a riqueza de espécies de fungos micorrizicos arbusculares e o comportamento de espécies arbóreas nativas durante 120 dias, Santos (2008) verificou influência positiva no acúmulo de nutrientes (N, S, Ca, Cu e Zn) e no crescimento inicial, embora haja diferença tanto no crescimento entre espécies quanto ao nutriente analisado. Notou-se também que a colonização depende de relações preferenciais entre planta e fungo.

Em estudo realizado por Franco et al. (1995) constatou-se que espécies leguminosas, naturalmente fixadoras de nitrogênio atmosférico, inoculadas com fungos micorrízicos, juntamente com o fornecimento de fosfato de rocha, apresentam grande potencial para o uso para recuperação de solos degradados, ressaltando a proposta da EMBRAPA/CNPAB para tornar as plantas mais eficientes na absorção de nutrientes e água a partir da inoculação micorrízica.

Jesus et al. (2005) estudaram o efeito de micorrizas na nodulação em Piptadenia gonoacantha (Mart.) Mcrb. e Piptadenia paniculata Bentham e observaram dependência de micorrizas para o processo de nodulação, onde apenas as plantas inoculadas com FMA apresentaram nodulação. Mostrando ainda maior acumulo de P na parte aérea e maior acúmulo de matéria seca para plantas inoculadas.

Observa-se que são escassos os estudos para verificar o efeito de fungos micorrízicos no crescimento de espécies florestais da Caatinga, no entanto, foi possível verificar que, apesar da escassez de estudos envolvendo espécies nativas, existem indicações de que essas interações simbióticas beneficiam o desenvolvimento de espécies florestais da Caatinga, principalmente em situações de estresses, influenciando na absorção de nutrientes que são essenciais para o desenvolvimento destas espécies de forma positiva.

12 de julho de 2021. Visualizações: 757. Última modificação: 19/08/2021 12:16:39